Neurotecnologias: novas fronteiras e desafios éticos
Os progressos das neurotecnologias estão a revolucionar a forma como compreendemos e interagimos com o cérebro humano, desde o tratamento de doenças graves, como Parkinson e Alzheimer, até a melhoria de capacidades cognitivas e motoras, porém suscitam questões éticas e desafios de equidade no acesso que requerem atenção global. O tema “O cérebro modificado: Implicações Éticas das neurotecnologias” inspirou o Seminário Anual do CNECV que decorreu no passado dia 21 de novembro, com cerca de 120 pessoas a assistir ao debate de forma presencial no auditório António de Almeida Santos, na Assembleia da República.
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Na abertura, Ana Abrunhosa, presidente da Comissão da Saúde da AR, formulou a questão:“Será que as neurotecnologias impõem novos direitos ao elenco dos direitos humanos já existentes ou obrigam-nos a olhar para os direitos já existentes de uma outra forma? Como estamos a falar de tecnologias numa área em que é possível ler e modificar a atividade cerebral colocam-se questões de ética e de direitos, liberdades e garantias muito importantes”, salientou.
Maria do Céu Patrão Neves, presidente do CNECV, explicou que a escolha do tema do seminário está relacionada com o próximo Relatório sobre o Estado das Novas Tecnologias do Conselho, que analisará o impacto social e as implicações éticas dasneurotecnologias. “Que estes progressos sirvam os interesses reais da população sem ficarem cativos de interesses sectários, como os económico-financeiros, para que não agravem as iniquidades do nosso mundo", defendeu.
Dafna Feinholz, chefe da Divisão de Bioética e Ética da Ciência e Tecnologia daUNESCO, alertou para desigualdades significativas no desenvolvimento e acesso às neurotecnologias. O mercado de dispositivos neurotecnológicos deve alcançar os 24,2 mil milhões de dólares até 2027, continuando ocrescimento exponencial dos últimos 20 anos: as publicações científicas na área aumentaram 35 vezes entre 2001 e 2021, enquanto o número de patentes cresceu 20 vezes. No entanto, 80% das publicações de impacto são dominadas por apenas 10 países e 90% das patentes são originárias de seis nações. Dafna está também preocupada com a privacidade: um estudo recente mostrou que 29 das 30 empresas analisadas têm acesso total aos dados neurais dos consumidores sem políticas claras sobre o uso dessas informações.
No painel “Ética: o Olhar das Instituições”, moderado pela Conselheira Inês Godinho, Jeroen van den Hoven, do Grupo Europeu de Ética para a Ciência e as Novas Tecnologias (EGE) da Comissão Europeia, sublinhou também o crescimento acelerado do mercado nesta área e manifestou preocupação com a utilização das neurotecnologias fora do campo médico, por exemplo nas áreas do entretenimento, com perigos relacionados com o neuromarketing.
Hoven apontou os riscos da manipulação de dados cerebrais que podem comprometer a liberdade e a privacidade dos cidadãos. O uso crescente de dados neurais, que incluem biometria cognitiva e inferências sobre estados mentais, levanta questões éticas fundamentais. Na sua perspetiva, o músico Sting sintetizou essa complexidade ao declarar: “Podem roubar os meus dados, mas jamais saberão quem realmente sou.” Como sublinha o filósofo Richard Moran, citado por van den Hoven, “para compreender uma pessoa precisamos de evidências totais, incluindo estados subjetivos e emocionais que extrapolam o que os dados conseguem captar. Confiar apenas em grandes volumes de dados externos pode levar à desumanização.”
Mark Bale, do Comité Diretivo para os Direitos Humanos em Biomedicina e Saúde, do Conselho da Europa, destacou avanços recentes na neuroimagem, estimulação cerebral profunda e redes neurais artificiais.O britânico alertou para a importância dos neurorights — direitos que garantem a liberdade de pensamento, privacidade e integridade mental. Defendeu ainda quadros éticos e legais que equilibrem inovação com direitos humanos, sensibilizando a sociedade para um uso justo e responsável dessas tecnologias.
Albino Oliveira-Maia, Investigador Principal da Fundação Champalimaud, esboçou o panorama atual das neurotecnologias e destacou os desenvolvimentos em áreas relacionadas com disfunções motoras com o uso de próteses invasivas do córtex cerebral ou a estimulação cerebral profunda invasiva, que mostra grande eficácia no tratamento de condições neuropsiquiátricas complexas, manifestando também preocupações sobre a necessidade de promover a equidade no acesso a estas novas tecnologias.